No segundo episódio do podcast, o grupo de estudos da Rede Design & Opressão discute o livro “A Questão da Universidade” de Álvaro Vieira Pinto, com foco nos capítulos sobre a universidade e seu papel na sociedade. A discussão destaca a crítica de Vieira Pinto ao conceito de universidade no Brasil, descrita como uma instituição recente e distinta das universidades europeias e latino-americanas. O autor argumenta que a universidade brasileira serve para manter a ideologia das classes dominantes, promovendo uma visão elitista e excludente do conhecimento.
A conversa aborda também como a universidade age para domesticar estudantes, afastando-os de ideias que poderiam desafiar o status quo e transformando-os em mão de obra especializada para servir à elite. Utilizando a metodologia dialética de Vieira Pinto, a análise da greve nas universidades federais revela que a essência da greve é uma luta contra a opressão neoliberal e pela valorização do conhecimento e das pessoas.
O grupo reflete sobre a relevância do design nesse contexto, ressaltando que a educação em design no Brasil historicamente serviu aos interesses das classes dominantes. A discussão conclui com a necessidade de uma reforma universitária que inclua uma perspectiva popular, representando a diversidade e promovendo uma verdadeira transformação social.
Transcrição completa
Fred van Amstel: Aí, gente, segundo episódio do Grupo de Estudos Design e Apressão, na temporada em que a gente está discutindo o livro “A Questão da Universidade” de Álvaro Vira Pinto. Então, nesse segundo encontro, nós discutimos o capítulo “O Que É A Universidade”, até o fim do capítulo, ou melhor, é, acho que é capítulo, intitulado, vamos ver aqui, “A Universidade e a Classe Dominante”. Quem gostaria de abrir a discussão síntese do podcast? Lembrando, todos devem falar o seu nome antes, durante ou depois da sua fala. Meu nome é Fred van Amstel, falo aqui da Universidade da Flórida.
Ricardo Arthur: Ricardo Arthur, estou falando aqui a partir da EGE, no Rio de Janeiro, e eu queria retomar um… um pontinho lá, que acontece no começo da explicação da sessão que a gente leu, que o Vira Pinto faz uma diferenciação também entre o conceito de universidade, que no Brasil ia se chamar de universidade, ele problematiza um pouco o uso da família e aponta isso como uma primeira trapaça, uma primeira falha na universidade brasileira, dizendo que, quando a gente chama de universidade, a gente fala de muito circunscrita, que é muito nova na história do Brasil, e muito diferente de outros lugares. Ele compara com a América Latina, ele compara com a Europa, e fala que são muito mais longas e um papel diferente que essas universidades cumpriu. E aí, além de apontar para esse problema de como universidade, com esse nome, faz parecer uma coisa próxima, mas uma realidade muito diferente, no caso do Brasil, ele aponta o neurálgico da discussão, que é de que ela cumpre um papel de manutenção ideológica das classes dominantes do país. Ou seja, o Vera Pinto fala com todas as letras que a função da universidade é ajudar as classes dominantes do poder através do desenvolvimento de teoria, do desenvolvimento de uma série de aparatos simbólicos, ideológicos. Isso é uma contundente. Então, para isso, ele vai chamar a importância de se repensar essa universidade, em diálogo com as partes anteriores do texto, ele vai propor repensar esse espaço da universidade a partir do povo, que é o que deveria ser representado na universidade, e principalmente a partir dos estudantes. Então, eu acho que esse é um ponto de síntese interessante.
Marco: Muito bom, Ricardo. Aqui quem fala é o Marco, da UTF-PR, aqui no Paraná. Uma complementação rápida só, é que ele coloca que uma das funções da universidade nesse projeto intencional de servir as classes dominantes é, inclusive, domesticar aqueles estudantes, que teriam ideias de como poderia ser uma universidade e uma universidade diferente. Domesticar eles, seduzir eles, inclusive, coloca: tirar eles de uma ideia social de classe que pode subverter esse sistema, transformar ele em um indivíduo que, pelo mérito próprio e o estudo próprio, pode chegar até essa classe dominante também, e transformar ele em uma mão de obra alienada, especializada, e sirva a essa classe dominante. E daí, nessa ideia de tirar a discussão do indivíduo e passar a discussão para a sociedade como um todo, é legal que ele traz uma mudança de enfoque. Então, o enfoque não deve ser mais pedagógico, como que eu reformo a universidade para ensinar melhor os poucos que entram aqui, e deve sair desse enfoque e ir para uma mudança de essência, uma reforma essencial, que seria se perguntar, na verdade, por que só aqueles poucos entraram, por que toda a outra maioria dos jovens, em idade, para cursar a universidade, não consegue, ou não sabe, ou não pode, ou é expulsa dessa entrada, e como que a gente pode reformar ela para servir a sociedade como um todo, não só a classe dominante.
Eduardo Souza: Perfeito, Marco. Aqui é Eduardo Souza, eu falo de Recife, sou professor do IFPE, e eu queria aproveitar essa menção aí de Marco sobre a essência, e aí fazer uma menção metodológica da dialética que Álvaro Vieira Pinto usa, para pensar essa ideia de essência da universidade em seu caráter histórico, fundamentalmente. Então, a essência não é essa ideia, essa coisa idealizada, metafísica, mas ela é, de fato, um fenômeno que se dá na realidade social. E aí, aproveitando esse procedimento metodológico, eu queria pensar a essência da greve que está rolando agora nas universidades e institutos federais do Brasil inteiro, para pensar o que, de fato, qual seria a essência dessa… dessa greve. A gente já mencionou no primeiro episódio que o gatilho, na verdade, para essa greve foi um reajuste de salário, de recomposição, de carreiras, inclusive. Mas, usando esse método dialético de Álvaro Vieira Pinto, eu diria que a essência dessa greve não diz respeito a esse reajuste, não diz respeito a esse aspecto imediato, mas, na verdade, diz respeito a essa mesma forma política sobre a qual ele está falando desde 1961, porque nesse contexto em que a gente está, nessa nova virada neoliberal da educação, sobretudo, é fundamental para o projeto de dominação desse neoliberalismo que a gente perca nossa capacidade intelectual, produtiva e crítica. Então, a universidade brasileira, pública, popular, ela deixa de ser útil e ela, inclusive, atrapalha muito a distribuição de um trabalho não qualificado que essas empresas multinacionais, imperialistas, querem impor a nós. Então, essencialmente, pelo que a gente está lutando, não é um reajuste, não é uma recomposição salarial, é, na verdade, por um lugar fundamental da ciência e da produção de conhecimento brasileiro e da valorização das pessoas e do povo brasileiro frente a essa opressão.
Fred van Amstel: Bom, eu queria comentar aqui que a gente não está fazendo uma apologia ao texto do Vieira Pinto, e querendo dizer que ele ainda é válido nos dias de hoje, que seria um anacronismo. A proposta aqui é a gente tentar estabelecer um diálogo com as questões que ainda se mantêm, as contradições na sociedade brasileira que ainda estão vivas. Então, o fato da gente encontrar a essência da universidade como sendo a manutenção da classe dominante, tanto naquela época quanto agora, é uma característica não do texto do Vieira Pinto, mas uma característica da realidade subdesenvolvida brasileira que ainda não superou o subdesenvolvimento, quer dizer, essa contradição ainda está posta. A universidade utiliza recursos públicos a princípio com a proposta de iluminar aqueles que são os que mais precisam desse conhecimento, mas acaba servindo a uma população mais abastada e tem mais recursos para poder entrar na universidade, porque a universidade tem um sistema excludente. Então, a grande questão que ele coloca aqui, que ainda é muito atual, é a gente pensar a reforma universitária nos termos de quem ficou de fora e não nos termos de quem está dentro da universidade. A greve é uma maneira de colocar isso em pauta para a sociedade de um modo geral, porque a greve é um dispositivo de publicidade da interrupção do trabalho que acontece na universidade, para que a sociedade, de um modo geral, se mobilize e dê uma resposta para isso, pressione os governantes a melhorar os recursos para, dessa maneira, poder oferecer uma universidade mais voltada aos interesses do povo. Então, ela está apelando para o povo, a universidade pública, quando ela faz greve. E ainda mais uma greve com essas características que a gente tem agora, diferente muito das greves que foram realizadas durante o período do governo Bolsonaro, que eram greves mais curtas, visando pontos mais específicos de reivindicação.
Fred van Amstel: E agora o design, gente. A gente chegou até aqui na metade do podcast, e ainda não falamos sobre o design. Alguém vê alguma conexão dessa discussão sobre a questão da universidade? E o design, qual a relevância que teria?
Ricardo Arthur: A gente chegou a mencionar rapidamente, tem alguns aspectos que Álvaro Vieira Pinto vai elencando quando ele vai explicar como é que a universidade, lá da época dele, reproduzia os interesses da classe dominante. E aí tem dois pontos, eu acho, que me saltaram com relação ao design. O primeiro é quando ele fala que a universidade organiza o cartório para reconhecimento das funções proveitórias aos interesses da classe dominante. Ou seja, a universidade, ela formula um curso, ela cria uma formação, quando aquela formação é útil para os interesses da classe dominante naquele determinado contexto. E aí, da perspectiva da história do design, a gente consegue identificar isso muito claramente, que a formatação, a educação formal em design, ela vem para o Brasil justamente quando a gente está com um projeto de design, um projeto de desenvolvimentismo industrial nacional com a ascensão da burguesia industrial paulista, sobretudo. Todo o processo ali dos anos 50 que combina com os anos 60. Então, acho que esse aspecto é um pouco significativo.
Eduardo Souza: Eu iria até mais além. Eu acho que as relações entre as classes dominantes e oprimidas que a universidade tem, eu acho que a formação em design é bem um exemplar disso. Quem já faz parte de uma classe dominante, sai com uma formação que vai garantir mais status para essa pessoa, quando ela abrir a grife de sucesso dela ou o grande estúdio de design dela, e quem vem das classes menos abastadas, vai ficar contente em conseguir uma formação que vai pagar muito mal para ela, que a gente sabe que a profissão de designer é proporcionalmente para outras de curso superior, paga muito menos e vai continuar sendo um proletário com curso superior, servindo para essa reprodução da classe dominante. Então, independente de quem entra, a saída é sempre a mesma: trabalhar para essa classe.
Fred van Amstel: Então, o conteúdo da universidade não é um conteúdo popular. Os modos de pensar na universidade não são os modos populares. Então, Exu nas escolas, dentro da perspectiva da professora Oliveira Pinto, seria a reforma universitária. Não é só mudar o conteúdo e incluir Exu, mas também mudar quem está falando, quem está proclamando isso. No caso, a Elza Soares cantando isso, representando uma pessoa racializada, uma mulher socializada como mulher, falando isso. A mulher do fim do mundo nos anunciando essa transformação necessária, que significa o quê? Uma mudança da estrutura social. A universidade sendo parte dessa mudança. Comentários finais para fechar o nosso episódio?
Ricardo Arthur: Eu acho que é isso. Acho que bota Exu nas escolas de novo e vamos que vamos para os próximos.
Fred van Amstel: Então, gente, muito, muito obrigado por estarem hoje com a gente aqui no nosso estúdio.
Ricardo Arthur: Eu queria só fazer um último comentário. Eu queria retomar das frases que aparecem lá no texto do Vieira Pinto. Fiquei muito mexido com ela. E ele diz assim, que o povo tem as armas ideológicas de que necessita para humanizar a sua existência. Eu fiquei pensando nisso e eu acho que isso também é mais uma ponte para pensar essa ideia. Quer dizer, enquanto a universidade não revisa, não se revisita e não se pensa em termos de propósito, se desenha, a gente continua simplesmente produzindo para manter quem já está no poder.
Fred van Amstel: Vamos para a música.
Fred van Amstel: Antes da gente ir para a música, vamos fazer o convite para o próximo encontro. Então, quem quiser participar, debater com a gente aqui, a gente está fazendo esse encontro quinzenal. Então, a próxima data será no dia 28 de maio, daqui a duas semanas. E a gente vai continuar lendo esse livro. A gente pode ler, então, do capítulo 35, a universidade, desculpa, página 35, a universidade e a totalidade do país. Isso na minha edição que eu tenho aqui de 93 do livro. A gente pode ir até, deixa eu ver aqui, 35 até 50. O que vocês acham aí? E aí a gente fecha o capítulo, a universidade e os valores eternos.
Eduardo: Acho bom. Acho que aqui no Classe Sociais ele vai entrar em outras questões.
Fred van Amstel: Então, beleza. Já coloquei o anúncio aqui no nosso canal de agenda. Nós temos vários canais aqui no Discord. Depois, se vocês quiserem olhar, explorar, fiquem bem à vontade. Eu vou fechar o nosso encontro, então. Tô tocando novamente Exu nas escolas. É uma serrante esperança aí, através da voz dessa fantástica mulher, mulher do fim do mundo, né, Elza Soares. Aliás, vou até botar o mulher do fim do mundo, hein. Agora mudei de ideia. Acho que fica até melhor, já que eu falei tanto disso. Ela que quer cantar, vai cantar mesmo até o fim e depois do fim também. E vai continuar cantando, cantando, cantando, cantando.