Como parte da movimentação em torno da greve das Universidades Federais de 2024, a Rede Design & Opressão resolveu reabrir seu grupo de estudos remoto temporariamente durante a greve. Seja bem vindo ao GREVE – GRupo de Estudos V??? E???. Como forma de tornar mais acessível o diálogo realizado nesses encontros, cada encontro se propõe a gravar um episódio de podcast resumindo os principais pontos discutidos.
Para abrir o grupo de estudos, foi escolhida “o melhor cartão de apresentação que a Editora [Universitária da UNE] poderia conseguir”. Em A Questão da Universidade, Álvaro Vieira Pinto (1962) propõe repensar a universidade brasileira, sua função social e suas condições de existência. O contexto histórico é a intensa mobilização pré-golpe empresarial-militar, a UNE comemorava seus 25 anos, mas “em vez de loas ao já feito, [com] um brado de exortação ao fazer”.
Hoje, 60 anos depois do golpe cívico-militar, discutimos a Universidade a partir do pensamento do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, que tomou o Brasil não só como território, mas como objeto de estudo e de luta. Retomaremos as contribuições dele, a quem Paulo Freire chamou de “um grande mestre”. O que mudou? O que permanece igual? Estamos mais autônomos ou mais dependentes? Ainda há imperialismo? Que deve fazer a universidade brasileira? Quem a ocupa?
O debate se concentra em relacionar as ideias do livro ao contexto atual, especialmente no que diz respeito à educação, ao papel das universidades e à interseção entre o campo acadêmico e o design. Uma parte significativa da discussão explora a importância das greves universitárias como um instrumento não apenas de reivindicação de direitos, mas também de aprendizagem coletiva e construção política.
A conversa inicia destacando como a greve universitária, mesmo que fracasse em alcançar objetivos imediatos, como aumentos salariais ou reduções de carga horária, ainda é um sucesso em termos de construção de consciência crítica e engajamento político. Os participantes enfatizam que a greve é uma oportunidade para a classe trabalhadora se articular, se organizar e aprender, tornando-se um projeto educativo em si. Essa visão reformula a maneira como as greves são tradicionalmente entendidas, especialmente no contexto universitário.
O podcast então faz uma ponte entre essas ideias e o campo do design. Os participantes discutem como as universidades têm um papel duplo: por um lado, elas servem a um propósito prático, preparando profissionais para o mercado de trabalho, mas, por outro, elas também são locais de articulação e desenvolvimento político. O design é visto como uma categoria profissional que pode ser reforçada e organizada de maneira mais coesa, tanto dentro do ambiente acadêmico quanto além dele.
A falta de engajamento dos profissionais do design em questões políticas e coletivas é um tema recorrente no episódio. Os participantes refletem sobre a tendência atual de pensar o design de maneira individualista, sem considerar as articulações e o engajamento coletivo. Eles traçam um paralelo entre a falta de engajamento de professores nas greves universitárias e a dificuldade dos designers em se organizarem politicamente como uma categoria profissional.
A discussão se aprofunda ao abordar como a educação no campo do design tem se fragmentado. Os participantes mencionam que a crescente popularidade de cursos online e formas não formais de aprendizagem tem levado a uma diminuição do contato direto e da coesão entre estudantes. Isso é visto como um obstáculo à organização política e à articulação coletiva dos profissionais do design.
Além disso, o episódio destaca como o projeto de educação popular proposto por Álvaro Vieira Pinto está em sintonia com a necessidade de repensar o papel das universidades e do design na sociedade atual. A universidade não deve apenas preparar os alunos para o mercado de trabalho, mas também servir como um espaço para fortalecer o poder político e a consciência crítica.
O episódio conclui ressaltando a importância de espaços não formais de aprendizagem e o papel do design como uma ferramenta de transformação social. Os participantes enfatizam a necessidade de projetos que promovam a participação e a autonomia, especialmente no campo do design, onde a prática profissional muitas vezes reforça a lógica capitalista. Eles destacam a importância de pensar o design de maneira coletiva e de trabalhar em direção a uma maior articulação política.
Transcrição completa
Fred van Amstel: Esse aqui é o primeiro podcast de síntese do Grupo de Estudos da Rede Design e Pressão. Hoje é dia 30 de abril de 2024 e o nosso tema é discutir o começo do livro A Questão da Universidade, de Álvaro Vera Pinto, escrito e publicado em 1962. Nós estamos aqui fazendo algumas conjecturas a respeito daquele momento, daquela conjuntura, mas também pensando na conjetura da nossa conjuntura atual. E aí, alguém gostaria de começar puxando essa sardinha? Ou puxando a sardinha do que isso tem a ver com design? Fiquem à vontade, isso aqui é improvisado, gente, não tem script. Vamos embora!
Eduardo Souza: Eu queria pegar um pequeno aspecto do que a gente está discutindo, sobretudo a greve, que foi o que motivou a gente a organizar esse encontro, que é o aspecto pedagógico da greve, que alguém mencionou aqui no chat, inclusive. Álvaro Vera Pinto coloca precisamente isso no outro livro dele, não é exatamente A Questão da Universidade, mas é no Porque os ricos não fazem greve? E aí, acho que esse aspecto para mim é fundamental, e aí eu vou tentar amarrar com design depois. Mas a proposta dele basicamente é a seguinte: uma máxima que ele usa lá é que a greve, mesmo quando ela fracassa em conseguir as demandas imediatas, sei lá, aumento de salário, redução de carga horária, etc., ela é vitoriosa, porque no processo de lutar por essas demandas, reivindicar essas demandas, existe um trabalho de construção política, de construção de conhecimento coletivo, e ele é sempre vitorioso nesse sentido, a greve é sempre vitoriosa nesse sentido, porque ela sempre vai engendrar um processo de movimentação e de aprendizado, e de articulação da classe trabalhadora para si mesma. Então, qual é a grande virada de chave aqui? Fazer greve sempre é bom, sempre é uma boa hora para fazer greve, porque a gente sempre vai estar elaborando e construindo conhecimento e se encontrando e dialogando e articulando ideias e etc. De certa medida, quase que até independente do resultado prático, entre aspas, disso aí. E aí eu acho que tem tudo a ver com esse processo de educação popular que você estava falando, no sentido de que a gente começa a pensar a greve não só a partir dessa demanda imediata, dessa demanda pragmática, mas a gente começa a pensar a greve também como um projeto de aprendizagem para si mesmo, da classe para com si mesma. Então a gente começa a estruturar e projetar mesmo essas dinâmicas de participação, essas dinâmicas de autonomia, essas dinâmicas de emancipação, como visando uma futura formação política. Então, não é mais sobre o que é que a gente vai conseguir em termos de negociação, é o que a gente vai conseguir construir em termos de poder político, de poder popular, de consciência crítica. Então isso transforma totalmente o fenômeno da greve, como a gente entende, inclusive nos seus aspectos táticos, e sobretudo na educação. Em vez de a gente pensar a greve como uma paralisação das atividades no seu sentido estrito, no esvaziamento da universidade, que era um medo de muitos dos meus colegas professores e tal, na verdade, a greve na universidade é uma oportunidade de ocupar a universidade ainda mais, para que aí sim a gente comece a aprender para nós mesmos e não aprender e ensinar e dialogar e articular para um suposto mundo do trabalho, uma dinâmica de exploração que a gente conhece muito bem. Então eu acho que esse raciocínio de articular um projeto de educação para a sociedade, para si, é fundamentalmente diferente e tem tudo a ver com projetos de participação e dinâmica de participação, que o design hoje está muito bem articulado com isso. E eu acho que é uma coisa que a gente precisa aprender com a greve, inclusive.
Fred van Amstel: Deixa eu ocupar um pouco aqui o microfone, que questão de ordem. Estava pensando aqui, nós temos ouvintes que não participaram da discussão anterior e nem sabem quem está falando. Então aqui é o Fred van Amstel, eu fiz a primeira fala, a segunda fala foi Eduardo Souza, e os próximos que forem participar aqui do podcast improvisado, sem uma sequência do script, por favor, falem seu nome antes de fazer sua fala. Vamos lá. Parece que o Ricardo Arthur, já falei o nome agora, mas os próximos podem se atender.
Ricardo Arthur: Tá bom, obrigado pela introdução. Aqui é o Ricardo Arthur falando. Vou seguir aqui na linha do Edu, e já pensando em uma ponte com o livro, e pensando na pergunta que foi colocada aqui. E eu acho que pela fala do Edu também é uma oportunidade para pensar no design como categoria profissional. Como os profissionais do design têm se pensado, ou não, como categoria profissional, como os professores do campo do design, seja como designer, seja como professores têm se pensado como categoria profissional, têm se pensado no seu lugar, na formação da produção disso que a gente tem chamado de design, convencional, ou tudo mais. Como se tem pensado isso, e como se tem articulado isso como categoria, não como indivíduos. E aí me parece que a gente tem passado já alguns anos, regressos aí, para hoje, que eu acho que é muito diferente do contexto que a gente está escrevendo aqui da década de 50 e 60. Me parece aqui que a gente está cruzado por uma subjetividade, por uma individualidade muito patente. De se pensar e de se resolver tudo muito sozinho, sem pensar nas articulações. E aí eu acho que eu vejo esse problema tanto apontado pelo Edu, quando ele aponta por que hoje não se engajam, como não se vê como se tem problemas na articulação e na ideia de greve, sem pensar seus benefícios para além das conquistas do que a greve consegue. Mas eu penso que tem que pensar e não tem… E aí eu faço uma… Eu acho que a gente tem que pensar no que a gente está falando no texto, que no começo, a gente pegou aqui bem na introdução do Álvaro Vieira Pinto, e ele vai tratar um pouco dos propósitos de se pensar ou de se repensar a universidade, qual é o propósito da universidade. E esse repensar ou propor uma reforma da universidade, ele também não parte dos professores, que eu acho curioso, ele chama atenção disso logo nas primeiras linhas. Ele vai falar que isso trata de um perfil de alunos, que tem que se organizar dentro do livro. E isso, além da formação da União Nacional dos Estudantes, tem outro cenário, que é isso faz parte de mais mudanças que estão acontecendo na sociedade através de movimentos sociais. Ou seja, tem a ver com algo que ele vai falar e desenvolver ao longo do livro, que é uma ideia de consciência, de consciência coletiva, de grupo. Não sei se é exatamente a consciência de classe, nos termos marxistas, mas é suficientemente claro de que ele está apontando que os professores ali não têm, não são eles que estão capitaneando essa proposta de mudança na universidade, mas é uma demanda social, uma demanda popular. Eu fico pensando se isso também não é a mesma coisa que rebate para o não engajamento dos professores hoje na greve, e o não engajamento também dos designers em qualquer possibilidade de articulação política mais organizada como categoria. Eu não estou falando casos individuais, mas é uma ideia para a gente pensar.
Sânia Batista: Entrando agora na discussão, eu sou a Sânia Batista, e, na verdade, eu queria trazer uma indicação, que é um texto do próprio Edu, não sei se foi falado aqui, que chama “Uma outra aparência para a greve estudantil”, que ele comenta como a organização dos estudantes do IFPE caracterizaram, de certa forma, um movimento grevista no sentido de eles pensarem em educação para eles. Então, como o Edu comentou, essa atualização do conceito de greve é importante, principalmente se a gente pensar que a gente está num momento em que o aprendizado não se dá estritamente em espaços formais de educação. Então, hoje em dia, um designer faz um curso online e, enfim, se forma como designer e trabalha, atua no mercado. Então, no momento em que ele perde o lugar da universidade, o contato, ele perde esse momento de articulação política, que, inclusive, ele cita aqui na mudança, o Álvaro Vieira Pinto cita a questão da mudança curricular dos cursos universitários, quando as turmas deixaram de ser coesas o curso inteiro, então isso, de certa forma, prejudicaria a organização política. E aí, só para reforçar o comentário que eu estava falando sobre os movimentos do campo, tem um momento aqui que ele fala na página 13, ele comenta: “Ninguém tenha dúvida, o destino, a forma futura da universidade brasileira está sendo decidida, neste momento, muito mais num comício de camponeses do Nordeste do que nas salas de reunião dos conselhos de educação”. Então, aí eu volto para a relação que eu quero fazer com o projeto. Então, qual é o projeto da cidade? E a gente sabe que as universidades públicas, elas também atendem a esse projeto de fortalecimento do capitalismo, de precarização enfim, então queria fazer essa, puxar para essa questão dos espaços não formais de aprendizado.
Fred van Amstel: Então, gente, nós estamos chegando ao final aqui do nosso podcast, primeira edição desse grupo de estudos emergencial, por conta da greve nas universidades federais do Brasil, e eu vou fazer o convite aqui para quem quiser participar, então, para a próxima edição do nosso, desse grupo de estudos, nós temos ele quinzenalmente, hoje é dia 30 de abril, nós vamos ter o próximo no dia 14 de maio, às 7 horas do horário de Brasília. Então, se conecte aqui, você vai poder participar do debate, esse podcast que a gente gravou em poucos minutos é apenas uma síntese rápida de algumas coisas que a gente discutiu, mas você também pode vir falar e participar da próxima edição do podcast. Alguém quer falar alguma coisa rápida antes da gente finalizar? Alguém quer fazer o tchauzinho bonitinho aqui do nosso podcast.
Marco Mazzarotto: Beijos revolucionários!